terça-feira, 24 de julho de 2012

Meus Amigos





Rosane Porto

Há alguns anos, criei um conceito: “amigos-poesia”. Eu o utilizei para, de forma direta, homenagear a pessoa que me convenceu que valia à pena escrever para outras pessoas lerem. Ela me convenceu de que eu tinha algum jeito com as palavras. E eu continuava a pensar que a poesia estava nela e que ela via em mim, refletido, o conteúdo do qual estava cheio seu olhar e seu coração...
Bem, o tempo passou e eu fui colecionando outros amigos... ah, me deixem explicar... É estranho usar o termo “colecionar” para nos referir a pessoas, não é? Sim, você está pensando que estou “coisificando” gente... mas não. Digo isto me lembrando de Walter Benjamin (Filósofo, filho de família judaica naturalizada alemã). Benjamin, referindo-se à criança, dizia que ela é uma colecionadora, ou seja, a criança vai pegando do mundo objetos simbólicos e vai montando com eles o seu eu, a sua ideia de humano e do próprio mundo... como um artista vai pintando uma tela... eu diria deste jeito. Somos colecionadores, na verdade, não apenas a criança o é. Por isso, digo que fui, que venho, que estou colecionando amigos. E o que aconteceu foi o seguinte: os amigos-poesia continuam nascendo em meu caminho. Quem os terá semeado pela beira da minha estrada? Vou contar um segredo, a quem interessar: Amigos-poesia são diferentes dos comuns, diferentes destes que a maioria das pessoas têm aos montes... Eles são raros: entre umas cem espécies de “amigos-comuns”, nasce uma que é poesia. O segredo é ter paciência e sabedoria para selecionar a espécie certa entre as outras. Ela apresenta algumas características inconfundíveis, contudo, sutis e se você não for sensível, poderá ignorá-la entre as demais.
Pense numa figueira. Uma figueira selvagem... suas raízes são enormes, espessas e seguem abrindo sulcos de terra metros além de metros à distância. Ficam expostas sobre o chão chegando a quase um metro de altura. Nos dias de outono, de fortes ventos e sol brilhante, você poderá se abrigar entre as raízes da figueira e se proteger do vento e ali se aquecer e tirar um gostoso cochilo na companhia do sol. Elas servirão de muralha para protegê-lo. E naqueles dias de verão, de sol fortíssimo? Os galhos de uma figueira se estendem além de metros à distância e suas folhas verdes e fartas lhe proporcionarão sombra fresquinha. E se tiver fome, a figueira o alimentará. Os figos selvagens são saborosos: muito, muito doces! Uma figueira sobrevive por séculos, para além da vida humana, por gerações e ela nunca cessa de crescer! Segue expandindo seus galhos verdejantes e suas raízes profundas, sobrevive a tempestades, ao sol forte. Ela perde suas folhas no inverno e renasce a cada primavera e ainda que seja cortada, brotará, pois nada poderá vencer as suas raízes! Amigos-poesia são como as figueiras: abrigo quando se tem frio; refresco quando se está com calor; alimento quando se tem fome. O tempo, ao seu lado, passa despercebido, pois ainda que se faça muito ou nada, será agradável sua companhia e sua amizade viverá enquanto for a vida, com toda a solidez que pode ter os sentimentos mais verdadeiros.
Pense num bom vinho. A vinha foi plantada e o produtor cuidou com todo zelo necessário para que produzisse bons frutos. A uva é colhida e a bebida é preparada artesanalmente, depois é guardada e se espera anos e anos para degustá-la, pois o tempo fortalece e acentua seu sabor. Bebidas requintadas não são abertas a qualquer hora e nem partilhadas com qualquer estranho... Um bom vinho preencherá taças elegantes e será erguido para brindar à felicidade de quem se quer bem. A boa bebida se guarda para as boas companhias e será partilhada como se partilha o som musical dos risos que celebram o prazer de estar com quem se gosta, o prazer de ouvir boas histórias, ou mesmo o prazer do silêncio que é a plenitude das palavras, muitas vezes... amigos-poesia são como bons vinhos: o tempo os torna melhores; são caros, no sentido de que não estão por aí disponíveis em qualquer lugar. É preciso cuidar para que cresçam. É preciso cuidar em todos os momentos e eles estarão conosco nas horas mais preciosas.
Pense numa jóia verdadeira. Pense no processo de retirada da pedra da mina; no transporte cuidadoso para não danificar... a pedra foi lapidada e ganhou um belo formato e a peça é única, ou quem sabe, dela terão poucos exemplares. Talvez ela lhe custe meses de trabalho, mas você a quer e então, planeja, pensa... uma vez adquirida a jóia preciosa: ficou linda, perfeita! E por sua natureza rara e bela você cuidará, protegerá, vigiará, terá sempre por perto e colocará toda a sua atenção a fim de prover as condições adequadas para que ela exista com você, impecável e ela, em troca de seu cuidado e proteção, simplesmente, será bela, singelamente bela... e você sentirá beleza também: a beleza que ela contém. Amigos-poesia são como jóias preciosas: a boniteza de sua amizade nos contagia; sua força nos faz mais fortes e isto devido ao fato de que, quem tem um amigo-poesia sabe que nunca estará só, pois amigos-poesia são singelamente, belamente amigos, irmãos, “camaradas”... eles brigam por nós e ao nosso lado, por nossas causas; brigam conosco quando sabem que podemos ser melhores do que estamos sendo; muitas vezes são nossos olhos, nossos ouvidos; riem e choram ao nosso lado e seu ombro está sempre ali ao nosso alcance. Amigos são amores que nunca morrem... assim, mais ou menos, pensou Mário Quintana... e eu também penso.
Quanto a mim, estou pintando a obra da minha vida, estou construindo meu mural de coleções. No meu mural tem figueiras; tem vinhos; tem jóias preciosas. Ah, meu mural não é muito grande e nem muito diversificado, eu sei: não tem grande quantidade de exemplares... isto talvez faça com que algum sujeito desavisado ou que tenha escassez de espírito e que por acaso o contemple pense em relação a ele e a mim: “Pobre ser de vida pequenina”... Mas saibam que não me preocupo com isso: faz parte da caminhada do viver não dar importância ao que não a tem. Importa o que eu sei: meu mural não tem cópias; não tem plágio; não tem tinta de má qualidade que vá escorrer na primeira chuva... as peças que o formam são todas originais, caríssimas e não é o primeiro vento que as tirará do lugar...
Meus amigos são meus amores mais fraternos; são as asas que me levam mais adiante até alturas que, muitas vezes, penso não ser capaz de alcançar; são meu olhar aguçado para as pequenas e as grandes coisas; são o vento que me move do lugar onde estou; são a sombra e o calor; são o alimento que fortalece minha vontade de explorar outros cantos do mundo para colecionar novas coisas... Meus amigos são... assim, bem assim... deixe-me ver... decisivos! Esta é a palavra certa! Decisivos! Assim: o que uma onda significa para o peixinho que precisa regressar ao mar; o que é uma gota d’água para o arco-íris que está prestes a se formar e dominar o céu; o que é um raio de sol para o casulo que se abrirá após a metamorfose; o que é a chuva para a flor que irá desabrochar agora; o que é uma brincadeira de roda: ela não se preocupa com o ponto onde começa e nem onde termina, apenas sabe que sua função é rodar e pôr tudo em movimento com alegria... Meus amigos são assim, o que é a poesia para a palavra que necessita de forma para tornar possível o pensamento humano...
Meus amigos são a poesia que ganhou carne e ossos e, sobretudo, coração...

A vocês, meus amigos, obrigada por fazerem parte do mural da minha vida!

Metamorfoses


Rosane Porto




Numa manhã de sábado, chuvosa, um pequeno Sol irradiava meu coração, ou melhor, “minha pequena Sol”, (uma menininha de fios de cabelos dourados, de apenas seis aninhos) que, após eu contar uma história em cujo final uma lagarta se transforma em borboleta... questionou-me: “Mas, Professora, como a borboleta faz para virar lagarta de novo?” Ah, o lugar de Educadora não é dos mais fáceis... pensei numa explicação para a pergunta e disse que não é possível uma borboleta ser lagarta novamente do mesmo modo que não é possível um adulto voltar a ser criança – digo, criança na sua forma literal de ser – então, ela “pensou com Sophia” (quero dizer, com “sabedoria”, que é o significado do seu lindo nome) e completou, com expressão curiosa e inconformada: “E se ela se arrepender de ser borboleta e quiser ser lagarta outra vez?!”

O fato é que a pergunta revirou o fundo da minha alma! Voltei a pensar sobre as escolhas que fazemos e também sobre as renúncias. Pensei no quanto a vida é grandiosa e intrigante... de fato, se você se arrepender agora de ser adulto e quiser voltar a ser criança, não poderá! A metamorfose se fez e não tem volta! Você pode se arrepender agora de ter pensado que o príncipe encantado havia chegado aos seus dezoito anos; ou pode se arrepender de ter pensado que encontrara uma princesa aos trinta e mesmo assim, desapontar-se, dando-se conta de que não é ainda aquela que esperava. Você pode se arrepender... do namoro, do noivado, do casamento, da profissão; do lugar que escolheu para morar; do corte de cabelo que fez; da atitude que deixou de ter a tempo para ser mais feliz... você pode se arrepender e renunciar e fazer uma outra escolha porque sempre há uma outra estrada quando se trata da vida. Ela nunca é uma via de mão única. No entanto, tem as metamorfoses! Mesmo que eu mude a estrada, aquilo do que me arrependi, constituiu-me porque o que vivemos nos atravessa e se torna nossa carne. Poderia eu renunciar à profissão de Educadora hoje e escolher me tornar jornalista amanhã? Sim, bastaria uma nova graduação. Mas poderia eu, sendo jornalista, depois de ter vivido a experiência de ser Educadora, passar diante de uma escola sem me sensibilizar com o som das vozes infantis? No meu caso, especificamente, não. Rapidamente, meu cérebro seria acionado e os sentimentos de Educadora que teriam me constituído, que seriam a carne da jornalista também, voltariam, fossem por alegrias, por frustrações ou por lembranças saudosas... ainda que uma borboleta voltasse a ser lagarta seria uma lagarta sabedora da aventura de voar, da sensação de ter asas... no corpo da lagarta habitaria a experiência de ser borboleta e ela não seria mais uma lagarta igual a tantos outros milhões de lagartas...

É uma verdade que nunca é possível voltar a ser o que se era após ter sido algo diferente: borboletas poderiam até voltar à forma de lagartas, mas não sem o pensamento de borboletas, isto porque a vida – tanto a vida da borboleta, quanto a nossa - não passa, ela nos passa, atravessa, nos modela; e é benevolente, uma vez que, quase sempre, nos dá a chance de renunciar, de escolher outras coisas. Hoje compreendo que as metamorfoses existem para cumprir o fiel propósito da vida que é dar a cada um o direito de viver a experiência da felicidade: que a função do arrependimento é a chance da renúncia e da nova escolha, assim como a escuridão da noite é o fundo necessário à obra do céu estrelado...



               Especialmente, obrigada, Sophia! Por provocar em mim a metamorfose.






O Equilibrista

Rosane Porto


Era apenas um fio de barbante...

Um fio, do jeito que pode ser:



Fino como são as coisas que parecem frágeis,

longo como a espera por algo que se quer muito ver acontecer ou chegar,

solitário como o vento em noite sem luar,

resistente como a onda do mar que abraça, insistentemente, a praia...



Era, apenas uma bola...

Uma bola, do jeito que pode ser:



Esférica como são os grandes amores...



 E um elefante...

Um elefante????

Sim! Um elefante do jeito que pode ser:

Forte e grande como o vazio esculpido pela saudade...



E a bola se apoiava no fio e o fio sustentava a bola...

Mas...

Quem suportava o elefante?

Quem?

Era apenas um homem...

Um homem, do jeito que pode ser um homem capaz de suportar um elefante:

Um equilibrista...



Feliz...

como bolha de sabão viajando pelo ar,

como folha dançando no vento em manhã de primavera...



Triste...

como não acreditar em fadas,

como dia cinzento,

como balanço sem criança...



Sim! Um equilibrista do jeito que tem que ser:

frágil como o fio,

forte como o elefante,

incrível como ele mesmo!




Dedicado ao Marlon, que deu vida às minhas palavras, grande inspiração que fez este texto nascer...


segunda-feira, 23 de julho de 2012

Ofício de Jardineiro






Rosane Porto






O que está no início, o jardim ou o jardineiro?... Havendo um jardineiro, cedo ou tarde, um jardim aparecerá. Mas um jardim sem jardineiro, cedo ou tarde, desaparecerá. O que é um jardineiro? Uma pessoa cujo pensamento está cheio de jardins. O que faz um jardim sem o pensamento do jardineiro?[...] (Rubem Alves).
        Trabalho árduo é o do jardineiro. Primeiro ele prepara a terra: ela precisa ser fértil e macia para receber a frágil vida que lhe será depositada. Com os canteiros prontos, o jardineiro escolhe as sementes, porém, antes de lançá-las, é necessário planejar o jardim: que formato terá; como se harmonizarão as flores; as cores; as espécies; de quanto espaço as flores precisarão para crescer livres... Que jardim, afinal, quer este jardineiro? Ele joga as sementes com fé e, na sua imaginação, as vê florescendo e encantando a todos os olhos que por ali passarão...
Bem, o jardineiro sabe que entre semear e florescer existe o tempo de crescer... tempo este que lhe exigirá contínua atenção: é preciso regar, vigiar, defender a plantinha frágil dos males que poderão destruí-la. É preciso ainda adubar a terra no momento certo e na quantidade adequada... o ofício de jardineiro requer equilíbrio constante. Até que o jardim floresça o tempo pode ser longo. O jardineiro precisa ser paciente e atento às necessidades de seu jardim: conhecer cada plantinha e saber o que pode fazer de melhor por ela dia após dia.
De tudo isso, compreendo que o ofício de jardineiro não consiste apenas em semear, regar e esperar. Sabemos que nem sempre o solo é o mais fértil, que às vezes a semente que o jardineiro quer cultivar, mesmo com muito amor e fé, já chega maltratada às suas mãos. É verdade que cultivar e fazer crescer sementes não é tarefa fácil! Quantas vezes o jardineiro é surpreendido pelo clima impróprio? Mas uma coisa é certa: o que mata um jardim, normalmente, não são as intempéries externas. O jardim morre primeiro no coração do jardineiro...
De tudo isso, compreendo ainda que o contrário também vale: o jardim vive primeiro no coração do jardineiro! Semear, regar, proteger, cuidar fielmente sem perder a fé ao longo do tempo até que veja desabrochar a primeira flor!
       E ainda, de tudo, compreendo algo mais: educar pessoas é como plantar sementes...



Eu Aprendi

Rosane Porto


Aprendi que a vida não é um morango, mas que amanhã sempre poderá ser o primeiro dia do resto dela e que eu tenho que vivê-la prestando atenção nas flores que nascem pela beira do caminho: elas podem não ser os girassóis que idealizei, no entanto, as margaridinhas, são o melhor que a natureza pôde produzir na escassa terra que eu nem sempre reguei, por isso, as contemplo com a mesma paixão que contemplaria os girassóis...

Aprendi que os espinhos são indissociáveis das rosas e me ferem de vez em quando por que, de vez em quando, esqueço-me que a flor está ali. Assim, aceitei que a dor é nada mais do que o despertador que o universo usa para nos colocar em movimento...

Aprendi que se eu não aprender a controlar o meu medo, ele me controlará... ele poderá me roubar a chance de ser feliz agora porque o presente é a única dádiva da qual eu tenho a certeza de estar desfrutando...

Aprendi que não posso ser tão intolerante comigo mesma a ponto de não me perdoar por não estar sendo o suficiente para alguma situação ou momento, assim, aceitei que a minha medida é o tudo que eu posso ser: o máximo que eu puder ser de mim mesma. Isto basta.

Aprendi que importa o que eu quero e que isso deve me mover porque a vida só me dá o que eu for capaz de buscar, assim, entendi que preciso considerar o valor daquilo que me disponho a conquistar e não a dificuldade da caminhada...

Aprendi que muitas coisas não são como me contaram: que anjos não são perfeitos, assim como algodão doce não é feito de nuvem...

Aprendi que toda a vez que pensamos que não podemos ir mais longe do que já chegamos ou suportamos, a estrada sinuosa da vida nos ensina que podemos mais do que supomos e que a essência de viver é – singelamente - aprender...



O que é a Poesia?

         Rosane Porto


O que é a poesia


Se não palavras...

Esvoaçantes, leves, de asas muito longas?

Palavras que ganharam os céus

Depois de terem perdido o medo do alto, da nuvem,

Depois de terem experimentado o sabor açucarado da liberdade...



Uma poesia...

Pode ser esquisita, sim.

Às vezes, ganha forma estranha: de bicho, de gente

E passeia pela sala, em sua azulidade,

De olhos melancólicos,

De onde escapam os riachos de saudade.



Uma poesia...

É coisa mágica e ninguém sabe de onde nasce.

De bicho, vira vento e voa, voa, invisível...

E em sua invisibilidade, tem cheiro de primavera.

E sendo primavera desabrocha, intensa

E sendo intensa, é viva, e faz girar os cata-ventos dos meninos...



Uma poesia...

É coisa que se transforma e ninguém sabe em quê.

Também pode ser menino, e sendo menino, inventa uma história

E quanto mais a inventa, mais verdadeira ela se torna

Porque o que é a poesia se não

A casa da imaginação.



Uma poesia...

É o balanço que embala os sonhos...

E quando eles chegam no alto, velozes, saltam!

E do alto, viram verdade, para sonhar de novo

Até o próximo horizonte onde o sol se põe e a luz da ternura se acende

Para guiar os barcos que carregam os pensamentos.



Uma poesia...

São pensamentos, mas só aqueles perfumados:

De lua, de entardecer, de amanhecer, de risos, de flores, de fadas...

Pensamentos-poesia com os quais a gente presenteia

Só os amigos mais especiais que se ganha na vida.

E tem os amigos-poesia: aqueles que enxergam poesia na gente.

Porque na verdade, mesmo que não saibam, a poesia está neles...


sábado, 21 de julho de 2012

Letramento

 

 

 

 

 

Rosane Porto



Houve um tempo...

Um tirano baixou um decreto:

As letras viraram traços inertes na folha pálida

De onde a vida também se expirara.

Traços... reproduções, desenhos, cópias.

E a gente que copiava virou cópia de outras gentes.

E a gente que lia, calou-se diante do mundo óbvio.

Silêncio... faz tempo!



Mas não puderam te calar, menino!

No teu sono embalado pelas histórias

Fizeste do livro teu refúgio, teu amigo, tua casa,

E assim descobriste o segredo:

Palavra vira brinquedo e ambos têm gosto de infância.

E agora, um pouco maior, mas com alma de criança,

E agora, cidadão do mundo, lês o jornal, ouves a notícia.

E ao te perguntares por que a Humanidade anda tão triste...




Percebes, menino, que a palavra tua, num momento,

De brinquedo virou impacto.

Alegra-te! A isto um sábio chamou letramento.

Letramento, menino, tu me perguntas: O que é?

Deixo que os sábios te respondam.

Talvez, te digam eles, com sérias palavras de filósofos:

Letramento é dimensão social.

É quando a escrita e a leitura são expressão, comunicação.



Letramento é exercício de cidadania. Tfouni diria.

Sem dúvida, profundo sentido de humanização.

Paulo Freire: Letrar?  É alfabetizar. É processo de gentificação.

Emília Ferreiro: Letramento? Não!

A escrita da escola é a escrita da vida. Tudo é alfabetização!

E quem sabe Rubem Alves nos falasse: Encarnação...



Sóbrias, distintas, nobres são as palavras dos sábios,

Mas tu me dizes, menino, que não te tocam o coração.

Então – sugiro – vamos perguntar às crianças.



Espontâneo, um outro menino nos sorri:

Letramento? Hum!!!! É um doce feito de letras!

Tem sabor de saber: o mais doce que já inventaram...

Mas porque ainda tu insistes em ouvir minha resposta,

Respondo-te, assim, singelamente...

Não, não somos considerados sábios, eu sei.

Mas somos, simplesmente, meninos e meninas...



Letramento? Queres saber ainda?

Em nosso dizer de criança, de aventura, de inexperiência

Letramento... São as violetras!

Violetras... Letras que explodem nas páginas pálidas

E vão enchendo de cores os livros

E vão derrubando os decretos dos tiranos, dos silêncios...

Letras que desabrocham e viram vida

E nessa mistura mágica, a gente vira gente, de verdade.


Especialmente para a Professora Lídia Allebrandt...
Você testemunhou de uma forma intensamente linda que "letra é coisa viva"... e eu continuo acreditando... Obrigada! Sua presença é constante em todos os meus dias!