Rosane Porto
Numa manhã de sábado, chuvosa, um pequeno Sol irradiava meu coração, ou melhor, “minha pequena Sol”, (uma menininha de fios de cabelos dourados, de apenas seis aninhos) que, após eu contar uma história em cujo final uma lagarta se transforma em borboleta... questionou-me: “Mas, Professora, como a borboleta faz para virar lagarta de novo?” Ah, o lugar de Educadora não é dos mais fáceis... pensei numa explicação para a pergunta e disse que não é possível uma borboleta ser lagarta novamente do mesmo modo que não é possível um adulto voltar a ser criança – digo, criança na sua forma literal de ser – então, ela “pensou com Sophia” (quero dizer, com “sabedoria”, que é o significado do seu lindo nome) e completou, com expressão curiosa e inconformada: “E se ela se arrepender de ser borboleta e quiser ser lagarta outra vez?!”
O fato é que a pergunta
revirou o fundo da minha alma! Voltei a pensar sobre as escolhas que fazemos e
também sobre as renúncias. Pensei no quanto a vida é grandiosa e intrigante...
de fato, se você se arrepender agora de ser adulto e quiser voltar a ser
criança, não poderá! A metamorfose se fez e não tem volta! Você pode se
arrepender agora de ter pensado que o príncipe encantado havia chegado aos seus
dezoito anos; ou pode se arrepender de ter pensado que encontrara uma princesa
aos trinta e mesmo assim, desapontar-se, dando-se conta de que não é ainda
aquela que esperava. Você pode se arrepender... do namoro, do noivado, do
casamento, da profissão; do lugar que escolheu para morar; do corte de cabelo
que fez; da atitude que deixou de ter a tempo para ser mais feliz... você pode
se arrepender e renunciar e fazer uma outra escolha porque sempre há uma outra
estrada quando se trata da vida. Ela nunca é uma via de mão única. No entanto,
tem as metamorfoses! Mesmo que eu mude a estrada, aquilo do que me arrependi,
constituiu-me porque o que vivemos nos atravessa e se torna nossa carne.
Poderia eu renunciar à profissão de Educadora hoje e escolher me tornar
jornalista amanhã? Sim, bastaria uma nova graduação. Mas poderia eu, sendo
jornalista, depois de ter vivido a experiência de ser Educadora, passar diante
de uma escola sem me sensibilizar com o som das vozes infantis? No meu caso,
especificamente, não. Rapidamente, meu cérebro seria acionado e os sentimentos
de Educadora que teriam me constituído, que seriam a carne da jornalista
também, voltariam, fossem por alegrias, por frustrações ou por lembranças
saudosas... ainda que uma borboleta voltasse a ser lagarta seria uma lagarta
sabedora da aventura de voar, da sensação de ter asas... no corpo da lagarta
habitaria a experiência de ser borboleta e ela não seria mais uma lagarta igual
a tantos outros milhões de lagartas...
É uma verdade que nunca é
possível voltar a ser o que se era após ter sido algo diferente: borboletas
poderiam até voltar à forma de lagartas, mas não sem o pensamento de
borboletas, isto porque a vida – tanto a vida da borboleta, quanto a nossa -
não passa, ela nos passa, atravessa, nos modela; e é benevolente, uma vez que,
quase sempre, nos dá a chance de renunciar, de escolher outras coisas. Hoje
compreendo que as metamorfoses existem para cumprir o fiel propósito da vida
que é dar a cada um o direito de viver a experiência da felicidade: que a
função do arrependimento é a chance da renúncia e da nova escolha, assim como a
escuridão da noite é o fundo necessário à obra do céu estrelado...
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